Ruanda: Testemunho Cabal
Círculos de esperança: o trabalho contínuo de cura do trauma genocida em Ruanda
Thérèse Uwitonze, psicóloga clínica e especialista em trauma de Ruanda, e Roshi Barbara Wegmüller, um professor fundador da Ordem do Pacificador Zen na Europa a partir de Spiegel, Suíça , reunidos durante o retiro de Testemunhas Cabal do Zen Peacemakers em Ruanda em 2014. Abaixo está o relato de Bárbara sobre seu encontro e amizade, seguido pelo relatório desenvolvido por Thérèse e seu colega Nsengiyumva Joseph, detalhando o incrível trabalho que Thérèse e Nsengiyumva foram capazes de fazer nos setores de Ruhashya, Rwaniro e Kinazi do distrito de Huye em Ruanda com o apoio dos pacificadores Zen da Suíça.
Logo após nossa chegada e depois de se instalarem em nosso quarto de hotel, Roshi Genro nos apresentou a Thérèse Uwitonze. Meu marido, Roland, é o médico participante dos Retiros de Testemunhas Cabal em Auschwitz, e estava morando nesta posição em Ruanda.
Disseram-nos que Thérèse é psicoterapeuta especializada em tratamentos de traumas. Ela estava acompanhada por uma amiga, uma psicóloga. Nós quatro nos reunimos em torno de uma pequena mesa na varanda sombreada. Era sexta-feira à tarde, três dias antes do início do retiro.
Em nossa conversa, Thérèse descreveu como as vítimas, e também os agressores, ainda estão gravemente traumatizados. Ela explicou como é importante para o médico e os líderes da equipe do retiro saber como Ruanda está lidando com a situação. Ela nos contou que os tratamentos envolviam principalmente terapia com medicamentos e que eram administrados rapidamente para evitar que mais pessoas fossem afetadas.
Nas primeiras horas de nossa chegada, ouvimos Thérèse contar-nos o sofrimento insondável que seu povo estava experimentando e de seu incrível trabalho que se dedica a ajudar essas pessoas a enfrentar e viver suas vidas. Ao ouvi-la falar sobre o trabalho do Círculo em diferentes lugares, com diferentes grupos da população, sentimos um grande respeito pelo trabalho de Teresa.
“Sabe”, disse ela nesta primeira conversa, “todo mundo no país foi afetado pelo que aconteceu aqui, todos nós precisamos de cura”.
Durante o retiro nos conhecemos melhor e pude observar que Thérèse era muito competente quando precisava de ajuda.
Roland e eu aprendemos a deixar de lado o que aprendemos sobre terapia de trauma em nosso coletivo, este lugar e a quantidade de luto era enorme e visível aos olhos dos sobreviventes e também dos perpetuadores. Aprendemos apenas a estar lá e ouvir com o coração aberto.
No final do retiro, passamos várias horas conversando sobre os círculos do conselho. Thérèse nos contou sobre seus círculos de reconciliação, e eu falei sobre minha vasta experiência com círculos na tradição Zen Peacemaker e dei a ela um esboço de nossas ferramentas. Discutimos o poder potencial da prática do conselho, ou círculo de paz, como Therese se refere, como uma força transformadora e curativa para o trauma embutido na psique de Ruanda como resultado do genocídio. Quando Bernie sugeriu meu apoio a Thérèse após o retiro, concordei alegremente. Thérèse e eu mantemos contato regular por e-mail. Enviei a ela uma descrição de nossas ferramentas e ela me mantém atualizado com seu trabalho nos círculos. O apoio financeiro contínuo doado pela Comunidade Pacificadora Suíça ajuda Thérèse a manter e expandir seu trabalho.
–Roshi Barbara Wegmüller
Therese Uwitonze, psicóloga clínica
Nsengiyumva Joseph, assistente social
Organização parceira: Zen Peacemaker Order, Suisse
Responsável: Barbara Wegmüller
Prazo: abril de 2012 a dezembro de 2016
Fundo
Grupo Ruhashya: Em 25 de abril de 2012 em Ruhashya, pessoas dos Setores Ruhashya e Rwaniro e seus amigos comemoraram o genocídio perpetrado contra os tutsis em 1994. Durante a 18ª comemoração, as pessoas participaram das cerimônias, porém foi difícil para cerca de 30 pessoas participarem porque estavam passando por graves crises psicológicas devido aos eventos traumáticos que sofreram durante o genocídio (por exemplo, muitos estavam chorando, alucinando, experimentando flashbacks e sentindo-se extremamente agitado). Muitas pessoas, principalmente mulheres, tiveram que receber atendimento no Centro de Saúde Ruhashya durante e após as cerimônias.
Em 23 de junho de 2012, a terapia de grupo começou no Centro de Saúde Ruhashya, para atender às necessidades das pessoas que sofrem de Transtorno de Estresse Pós-Traumático como resultado do genocídio.
Grupo Kinazi: Em 28 de abril de 2014, no local do memorial Songa, pessoas do Setor Kinazi e seus amigos também comemoraram o genocídio perpetrado em 1994 contra os tutsis. Nessa 20ª comemoração, foram registrados 32 casos de PTSD. Semelhante a Ruhashya, muitos dos Kinazi que sofrem de PTSD eram mulheres. Após as cerimônias, a Mental Health Dignity Foundation estendeu seus serviços para ajudar os sobreviventes a superar os sintomas de PTSD. Em 4 de setembro de 2014, a terapia de grupo foi iniciada no setor Kinazi.
Objetivo geral da intervenção do Mental Health Dignity Foundation
Contribuir para o equilíbrio psicológico e coesão social em direção ao desenvolvimento.
Objetivos específicos
62 pessoas foram treinadas em saúde mental e PTSD dos grupos Ruhashya e Kinazi.
- Normalizar os sintomas de PTSD
- Informe as pessoas sobre PTSD e suas consequências
- Trate PTSD em grupos
- Facilita a expressão de emoções negativas e positivas
- Restaurar e reaprender os valores sociais humanos destruídos durante o genocídio em 1994, um processo que facilitará o desenvolvimento pessoal e nacional
- Treine pessoas da comunidade como profissionais de saúde mental
- Desafie o estigma dirigido aos sobreviventes de PTSD
- Advogado pelas necessidades dos sobreviventes, também conhecido como “casos de PTSD”
- Conecte saúde mental e desenvolvimento
Beneficiários
Pessoas que sofrem de PTSD nos distritos de Ruhashya, Rwaniro e Kinazi, além de jovens com traumas transgeracionais dos distritos de Nyaruguru e Huye.
Abordagens
Para atingir os objetivos, trabalhamos das seguintes formas:
- Educar as pessoas sobre saúde mental geral, além de PTSD em particular
- Tratamento de PTSD em grupo por meio de círculos de paz e exercícios de relaxamento
- Prevenção de traumas transgeracionais
- Advogando pelas necessidades dos grupos Kinazi e Ruhashya
- Realização de intervenção psicológica durante a comemoração do genocídio contra os tutsis todos os anos
- Coletando histórias de sucesso
Psicoeducação e Facilitação do Grupo
Depois de obter o consentimento de nossos clientes, fornecemos aos membros do grupo Ruhashya e Kinazi informações sobre saúde mental (incluindo definições de saúde mental, sintomas, causas básicas e tratamento de transtornos mentais e a definição de PTSD). Em seguida, facilitamos a terapia de grupo; a abordagem principal que utilizamos na terapia de grupo foi o formato do círculo da paz, no qual permitíamos que os clientes expressassem suas emoções negativas ou positivas sobre suas histórias e praticasse exercícios de relaxamento. Facilitamos o círculo de paz por 3 horas bimestrais.
Respeitamos as seguintes diretrizes do círculo de paz (conforme descrito pelos Zen Peacemakers):
- Fale com o coração
- Ouça com o coração
- Fala espontaneamente
- Fale com calma
Prevenindo o Trauma Transgeracional em Jovens
Há muito pouco conhecimento sobre saúde mental nas escolas secundárias. Além disso, muitos casos de PTSD podem ser observados na sociedade ruandesa, tanto na população adulta quanto na jovem, como resultado do genocídio de 1994 cometido contra os tutsis. Todos os anos, cada escola realiza uma comemoração pelas pessoas mortas em sua escola. Durante essas comemorações, muitas pessoas passam por crises emocionais, e seus sintomas de PTSD aumentam dramaticamente. O MHDF aumentou o conhecimento sobre esses assuntos para facilitar o entendimento; alunos, pais e professores foram informados sobre saúde mental, PTSD, conflitos e sua interconexão. Como parte desse programa, 98 voluntários treinados aproveitaram os recursos de autoavaliação e autotransformação disponíveis e apoiaram seus pares no período de comemoração na escola.
Empoderamento econômico: Projeto de plantação de banana
Uma pessoa tem dois aspectos: aspecto psicológico e aspecto físico. Os dois aspectos devem ser mantidos. Após a recuperação psicológica dos membros dos grupos Ruhashya e Kinazi, eles desejavam ser apoiados economicamente. Em colaboração com uma assistente social, conduzimos as reuniões para avaliar suas necessidades e suas soluções (usando a árvore de problemas e a árvore de soluções). Por meio desses exercícios, elaboramos um projeto de plantação de banana para o grupo Ruhashya e um projeto de matadouro para o grupo Kinazi. Até agora, o distrito de Huye deu 5.600.000 Frw apenas para apoiar o projeto de plantação de banana. Estamos esperando por doadores de projeto de matadouro (precisamos de 9077500Frw) para o grupo Kinazi.
Histórias de sucesso: nas palavras dos participantes do programa
NB: As histórias de sucesso dos beneficiários foram coletadas no campo (grupos Ruhashya e Kinazi). Eles estavam na língua Kinyarwanda e traduzidos para o inglês por MHDF. Por questões de confidencialidade, usamos letras em vez dos nomes.
- Meu nome é A, tenho 39 anos e sou do setor Ruhashya, célula Gatovu. Eu estava isolado. Fui ao hospital psiquiátrico / CARAES Mas muitas vezes preciso de tratamento, mas a situação não mudou. As pessoas me chamam de tola. Quando entrei no grupo Ruhashya criado por MHDF para curar traumas, a situação mudou. Aprendemos diferentes exercícios de relaxamento, participamos de muitas sessões de círculos de paz facilitados e passamos por treinamento sobre traumas e conflitos a fim de nos ajudarmos física e psicologicamente. Agora estou recuperado e intervenho no período em que comemoramos o genocídio. Eu ajudo os casos de PTSD.
- Meu nome é B, tenho 52 anos. Antes de me tornar um membro da equipe MHDF, minha vida era cheia de medo, choro e desespero. Depois de usar exercícios de relaxamento, aprendi, agora estou bem e também trabalho para prevenir transtornos mentais em outras pessoas; Sou capaz de ajudar outras pessoas.
- Meu nome é C, tenho 54 anos. Antes de entrar na equipe da MHDF minha vida era só raiva e andar por toda parte sem falar com ninguém. Agora, estou bem porque MHDF me ensinou muitos exercícios de relaxamento e eu os uso para me tratar e prevenir transtornos mentais.
- Meu nome é D, tenho 38 anos e sou do setor Ruhashya, célula Mara. Antes de entrar para a equipe MHDF, minha vida era apenas chorar e correr para a estrada. Muitas vezes, fui ao hospital de saúde mental (CARAES) e as pessoas me chamavam de boba, mas agora me sinto bem porque o MHDF me ensinou diferentes exercícios de relaxamento e nos encontramos todo mês para compartilhar emoções positivas e negativas (tivemos 50 sessões até agora). Sinto-me muito recuperado.
- Meu nome é E, sou membro da equipe Ruhashya criada pela MHDF em 2012 e o grupo é muito importante para mim. Antes de vir para o MHDF, minha vida era apenas para chorar dia e noite, lembrando meus filhos que morreram durante o genocídio contra os tutsis. Mas depois de ser treinado e acompanhado por MHDF, estou recuperado desses sintomas. Meu objetivo é ser forte e continuar a viver.
- Meu nome é F, antes de vir para a equipe Ruhashya da MHDF, minha vida era apenas correr para as montanhas, chorando e lutando. Depois de frequentar 50 sessões de intervenção psicológica (usando técnicas de círculo de paz e exercícios de relaxamento), agora a situação é boa e eu lido com o dia a dia após o tratamento.
- Eu sou G. Sou membro do grupo Kinazi desde 9 de abril de 2014. Antes de entrar neste grupo, minhas crises emocionais se agravaram durante o período de comemoração do genocídio contra os tutsis por causa do trauma. Depois de participar de 19 sessões de intervenção psicológica (exercícios de relaxamento e círculo de paz), agora havia parado. Eu não estou sozinho; Encontrei no grupo parentes que cuidam de mim e vice-versa. Tratamos outras pessoas que têm o mesmo problema. Obrigado!
- Eu sou H e sou membro do grupo Kinazi. Esse grupo me ajudou muito porque antes de entrar eu estava sempre sozinho. Nunca fui feliz e sempre tive dores de cabeça. Agora, quando tenho dores de cabeça, faço os exercícios de relaxamento que aprendemos e fico curado. Além disso, agora não estou sozinho; Eu tenho amigos ao meu redor.
- eu sou eu e eu tive os sintomas de trauma. O grupo Kinazi me convidou a participar de círculos de paz, onde compartilhamos nossa experiência para tratar o sofrimento psíquico. Depois de assistir a 19 sessões de acompanhamento no grupo Kinazi, sinto-me relaxado.
- Sou J, aluno de St Paul Kibeho. Antes de começar o treinamento, não consegui entrar no memorial por causa do medo e da tontura. Não tinha conhecimento suficiente sobre como cuidar de mim. Depois desse treinamento sobre a interconexão entre conflito e trauma posso entrar, sem nenhum problema, e também ajudar outros colegas que têm problemas semelhantes. Ganhei com este treinamento exercícios de relaxamento para ajudar a mim e aos outros. Por exemplo, durante a 22ª comemoração do genocídio no setor Kibeho, uma criança me pediu para acompanhá-la porque ela queria visitar o local do memorial e ela me disse que é a primeira vez que ela entra lá. Peguei seu braço e entramos e visitamos diferentes cômodos. Depois da visita, voltamos juntos sem nenhum problema. Ela me agradeceu pela ajuda porque antes não tinha quem a acompanhasse.
Conclusão
O projeto MHDF caracterizou-se por diferentes atividades, todas as quais contribuíram para a promoção da saúde mental e a prestação de cuidados ao transtorno mental, Transtorno de Estresse Pós-Traumático. Depois de conduzir o projeto nas escolas e na comunidade e ver resultados positivos, gostaríamos de estender este projeto a outros setores dos distritos de Huye, Nyaruguru e Gisagara. Isso poderia ajudar a obter os mesmos resultados positivos em outras escolas e comunidades e levar a uma maneira melhor de prevenir transtornos mentais e fornecer cuidados aos pacientes nas escolas e na comunidade.
Retiro de Testemunhas dos Pacificadores Zen 2014
Música de Morley, fotos de Aleksandra Kwiatkowska